quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Brasil seria melhor se colonizado pelos holandeses?


É comum de a gente ouvir, aqui no sul, alguns discursos furados como: "Se o Brasil houvesse sido colonizado pela Holanda, seria muito melhor, teríamos níveis de vida de UE, infraestrutura de Primeiro Mundo, não haveria corrupção, pois a mentalidade flamenga, iluminista e laica, é, sempre foi, e sempre será muito superior ao retrocesso cultural e científico português, baseado na ignorância e no fundamentalismo católico, que não incita as pessoas ao trabalho. Seríamos um povo 'belo e louro', de uma cultura avançada, falaríamos um idioma germânico, o que nos permitiria desde cedo um domínio também da língua inglesa, e apresentaríamos valores bem distintos, com base na ordem e disciplina. Em áreas do interior nordestino, por exemplo, ao invés de miséria e coronelismo, teríamos bela paisagem de moinhos de vento, que gerariam energia e desenvolvimento. A cultura liberal holandesa não probiria drogas, aborto e jogos, o que tornaria nosso país livre do crime organizado. Inspirados pelo valor protestante do trabalho, seríamos uma grande potência do cone sul, a nível, quem sabe, dos EUA, devido à enorme extensão e riqueza de nossas terras..."
Esses e muitos outros argumentos sofrem uma notável influência do pensamento positivista do século XIX, eivado da idéia de oposição e superação entre uma "civilização" e uma "barbárie", do conhecimento "racional" europeu como saber universal, e principalmente do racialismo ou "racismo científico", que foi a base da ideologia racial do nazismo.
Aqueles que defendem tal construção mental de um "Brasil Holandês" contemporâneo estão naturalmente relacionando suas ideias com a imagem idealizada que têm do que hoje seria o Reino dos Países Baixos, e não com o que constituiu o processo colonial batavo em seu vasto império.
Não que o Brasil fosse um "imenso Suriname" (antiga Guiana Holandesa, hoje um dos países mais pobres da América), pois ao contrário dessa pequena ex-colônia holandesa, o território que compreende as regiões da América Portuguesa (subordinada na época aos espanhóis), e que foi invadida pela Companhia das Índias Orientais Holandesas, já possuía uma elite econômica constituída e uma agricultura bastante expandida (embora ainda usasse o método siciliano, já obsoleto, para a produção e refino do açúcar), enquanto o Suriname mal contava com a presença européia, sendo uma terra subexplorada pelos espanhóis.
Simpatizo mais com a ideia (ainda inviável) de comparar com a África do Sul, embora não acredite em uma tomada do Brasil Holandês pelos britânicos (como ocorreu naquele país). Desconstruindo o argumento comum, é improvável que o povo holandês "fincasse raízes" em solo brasileiro. Diferentemente do que ocorreu na Colônia do Cabo (África do Sul), onde a expansão para o interior, baseada na pecuária, se deu com a ida em massa de famílias européias (boers ou africâners), no Brasil, que então apresentava uma economia basicamente açucareira, não ocorreria um grande povoamento neerlandês, a não ser por parte de uma pequena elite administrativa e militar e de alguns degredados, o que impossibilitaria a difusão em larga escala dos traços étnicos e principalmente do idioma, que em solo brasileiro viesse a se tornar possivelmente uma língua crioula com elementos da língua-geral (nhengatu), português, holandês, espanhol, francês e idiomas angolanos. A população talvez fosse largamente composta por descendentes de escravos indígenas, pois não haveria a interferência da Igreja Católica, que a partir dos jesuítas pregavam a não-escravização do ameríndio, o que dificultou muito essa prática sob o jugo luso. Portanto, acho que também haveria uma demanda bem menor pelos escravos africanos.
Creio que é também improvável que o Brasil tivesse as dimensões continentais que tem hoje. O Brasil Holandês se situaria, possivelmente, nos territórios de litoral, agreste e zona da mata, que vão do RN a SE. A conquista holandesa poderia ser real, por exemplo, se não houvesse ocorrido a Restauração Portuguesa em 1640, que pôs fim à União Ibérica e ao domínio castelhano. Nesse caso, é bem provável que grande parte do atual território brasileiro se mantivesse nas mãos do Império Espanhol. Imagino que sendo assim, tivéssemos no século XVIII, quatro "brasis" diferentes: Um espanhol (o maior), um holandês, um francês (na região do Maranhão) e um quilombola. Um possível e vasto vice-reino do Brasil, sob domínio da Espanha (certas áreas do nosso território estivessem possivelmente sobre jurisdição dos vice-reinos do Prata, Peru e Nueva Granada), o Brasil Holandês propriamente dito, um Estado de Palmares no interior nordestino, que provavelmente durasse muito mais tempo devido à incapacidade dos holandeses de reprimí-lo (os holandeses não possuíam ao seu lado sertanistas como o paulista Domingos Jorge Velho que comandou a destruição do quilombo), uma possível instalação bem-sucedida da França Equinocial nos territórios que hoje pertencem a Maranhão, Piauí e Ceará.



Um comentário:

  1. Adorei o seu texto... Eu sinceramente não sei se o Brasil seria diferente se colonizado pelos holandeses, também não sei se nesse caso estou pensando em pré-destinação... Mas refleti muito, estou te seguindo.
    http://dressamaria.blogspot.com/

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