Com a ascensão da classe comercial, tornou-se cada vez mais difícil à Igreja manter intacto o princípio da usura e sua passividade ao Inferno. A Cristandade corria perigo devido à presença muçulmana em toda margem sul e leste do Mediterrâneo e também na Península Ibérica (desde os séculos VII e VIII respectivamente). Após fracasso das três primeiras cruzadas, ficava evidente a incapacidade de nobres e reis europeus de combater os "infiéis" valendo-se apenas de seus próprios recursos. Era uma prioridade para a Santa Sé conduzir os cristãos à reconquista do Santo Sepulcro, porém, a nobreza falida não tinha condições materiais sequer para defender com eficácia suas próprias terras, ainda menos para lançar-se em campanhas militares contra o Islã. Combinando esse fator com a visível prosperidade da burguesia ascendente, a consequência foi natural: Ao passar do tempo, muitos nobres tornaram-se devedores dos comerciantes, principalmente do norte da Itália. Diante desse quadro, onde a influência burguesa deixava de ser apenas econômica para se tornar também política, era impossível ao clero manter sua postura hostil com relação aos mercadores, e foi nesse contexto que se desenvolveu pela primeira vez a imagem do Purgatório: Um lugar fora dos limites tanto do Inferno quanto do Reino dos Céus, onde os pecadores pagariam por suas faltas durante um tempo determinado, até que estivessem aptos a ingressar no Paraíso. Entre os pecados que passavam a ser passíveis do Purgatório estava a usura. Tal idéia foi largamente difundida por religiosos desde o século XII, principalmente na Itália. No século XIII, por exemplo, Dante Alighieri descreve na sua Divina Comédia, a penitência destinadas aos usurários no Purgatório, onde estes eram condenados a ficar durante um longo tempo com o rosto voltado ao chão, repetindo um determinado trecho da Bíblia, sem poder olhar para os Céus, onde encontra-se a imagem benéfica de Deus. Essa atenuação do pecado do lucro, além de amenizar as relações da burguesia com a Igreja, deu um enorme impulso à expansão da atividade comercial e ao desenvolvimento das cidades (que desde a queda de Roma encontravam-se eclipsadas pelo campo, palco da vida feudal), onde residiam os burgueses e aconteciam as feiras. As feiras eram, desde os primeiros séculos do medievo, onde ocorria a maior parte das atividades de troca no Ocidente cristão, e ganharam popularidade a partir do século XI, servindo também como principal ponto de contato entre comerciantes de diferentes áreas do continente europeu. As maiores feiras da Idade Média ocorriam na região de Champagne, na França, e em Flandres, onde produzia-se lã e tecidos caros.
Além de criar alternativas ao modo de vida feudal, o Renascimento Comercial gerou, através do desejo de riqueza, uma modificação até mesmo na mentalidade do homem medieval. A busca da prosperidade econômica levava as pessoas a adotar uma postura mais pragmática com relação a diversos aspectos de sua vida, deixando muitas vezes em segundo plano a preocupação espiritual e as causas religiosas. Um grande exemplo dessa transformação foi a atuação dos comerciantes venezianos no processo da IV Cruzada (1202- 1204). Convocada pelo papa Inocêncio III, e patrocinada pelo doge (duque) da República de Veneza, Enrico Dandolo, a expedição foi conduzida pelo nobre Bonifácio de Monferrat, e seu plano consistia em um ataque ao Egito com a intenção de forçar o sultão aiúbida a ceder à Cristandade os "Lugares Santos". Bonifácio e outros barões da Cruzada eram devedores dos venezianos, e buscavam saldar suas dívidas com os espólios conseguidos através da guerra. Foi com base nesses interesses que, em 1203, a Cruzada teve sua rota desviada e culminou com o saque e a tomada da rica cidade de Constantinopla. Segundo fontes da época, a pilhagem realizada pelos cruzados foi tamanha, que não poupou nem o ouro que decorava as igrejas ortodoxas. Exilado em Nicéia, o basileu (imperador) só viria a reconquistar sua capital no ano de 1261, mas como potência, o Império Bizantino nunca mais seria o mesmo. Os resultados da IV Cruzada (chamada por alguns autores de "Cruzada Comercial") mostraram-se então, extremamente vantajosos à burguesia, pois além da obtenção das terras e das fantásticas riquezas de Bizâncio, a classe comercial recebeu o consentimento do papado para revender na Europa Cristã, os produtos trazidos do Oriente (como tecidos e especiarias), o que viria a multiplicar seus ganhos a partir de então.
No início do século XIV, o prestígio e a influência das grandes cidades comerciais na Europa era incontestável. Além de representar o início de todo um processo de transformação em diversos aspectos da vida do Ocidente cristão, tamanha ascensão pode ter significado, em termos políticos, um golpe de misericórdia no decadente sistema feudal, contribuindo para o ressurgimento de um velho poder, há muito suplantado pela autoridade das nobrezas locais: a monarquia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário