domingo, 4 de outubro de 2009
Imagem representando o Purgatório
O Papa Inocêncio III (cujo nome era Lotário de Conti [1160 ou 1661- 1216])
Representação da Tomada de Constantinopla pelos Cruzados (por Eugène Ferdinand Victor de La Croix [1798-1863])
Representação do doge Enrico Dandolo pregando a IV Cruzada. Por Gustave Doré (1832-1883)
O Purgatório & A IV Cruzada
Com a ascensão da classe comercial, tornou-se cada vez mais difícil à Igreja manter intacto o princípio da usura e sua passividade ao Inferno. A Cristandade corria perigo devido à presença muçulmana em toda margem sul e leste do Mediterrâneo e também na Península Ibérica (desde os séculos VII e VIII respectivamente). Após fracasso das três primeiras cruzadas, ficava evidente a incapacidade de nobres e reis europeus de combater os "infiéis" valendo-se apenas de seus próprios recursos. Era uma prioridade para a Santa Sé conduzir os cristãos à reconquista do Santo Sepulcro, porém, a nobreza falida não tinha condições materiais sequer para defender com eficácia suas próprias terras, ainda menos para lançar-se em campanhas militares contra o Islã. Combinando esse fator com a visível prosperidade da burguesia ascendente, a consequência foi natural: Ao passar do tempo, muitos nobres tornaram-se devedores dos comerciantes, principalmente do norte da Itália. Diante desse quadro, onde a influência burguesa deixava de ser apenas econômica para se tornar também política, era impossível ao clero manter sua postura hostil com relação aos mercadores, e foi nesse contexto que se desenvolveu pela primeira vez a imagem do Purgatório: Um lugar fora dos limites tanto do Inferno quanto do Reino dos Céus, onde os pecadores pagariam por suas faltas durante um tempo determinado, até que estivessem aptos a ingressar no Paraíso. Entre os pecados que passavam a ser passíveis do Purgatório estava a usura. Tal idéia foi largamente difundida por religiosos desde o século XII, principalmente na Itália. No século XIII, por exemplo, Dante Alighieri descreve na sua Divina Comédia, a penitência destinadas aos usurários no Purgatório, onde estes eram condenados a ficar durante um longo tempo com o rosto voltado ao chão, repetindo um determinado trecho da Bíblia, sem poder olhar para os Céus, onde encontra-se a imagem benéfica de Deus. Essa atenuação do pecado do lucro, além de amenizar as relações da burguesia com a Igreja, deu um enorme impulso à expansão da atividade comercial e ao desenvolvimento das cidades (que desde a queda de Roma encontravam-se eclipsadas pelo campo, palco da vida feudal), onde residiam os burgueses e aconteciam as feiras. As feiras eram, desde os primeiros séculos do medievo, onde ocorria a maior parte das atividades de troca no Ocidente cristão, e ganharam popularidade a partir do século XI, servindo também como principal ponto de contato entre comerciantes de diferentes áreas do continente europeu. As maiores feiras da Idade Média ocorriam na região de Champagne, na França, e em Flandres, onde produzia-se lã e tecidos caros.
Além de criar alternativas ao modo de vida feudal, o Renascimento Comercial gerou, através do desejo de riqueza, uma modificação até mesmo na mentalidade do homem medieval. A busca da prosperidade econômica levava as pessoas a adotar uma postura mais pragmática com relação a diversos aspectos de sua vida, deixando muitas vezes em segundo plano a preocupação espiritual e as causas religiosas. Um grande exemplo dessa transformação foi a atuação dos comerciantes venezianos no processo da IV Cruzada (1202- 1204). Convocada pelo papa Inocêncio III, e patrocinada pelo doge (duque) da República de Veneza, Enrico Dandolo, a expedição foi conduzida pelo nobre Bonifácio de Monferrat, e seu plano consistia em um ataque ao Egito com a intenção de forçar o sultão aiúbida a ceder à Cristandade os "Lugares Santos". Bonifácio e outros barões da Cruzada eram devedores dos venezianos, e buscavam saldar suas dívidas com os espólios conseguidos através da guerra. Foi com base nesses interesses que, em 1203, a Cruzada teve sua rota desviada e culminou com o saque e a tomada da rica cidade de Constantinopla. Segundo fontes da época, a pilhagem realizada pelos cruzados foi tamanha, que não poupou nem o ouro que decorava as igrejas ortodoxas. Exilado em Nicéia, o basileu (imperador) só viria a reconquistar sua capital no ano de 1261, mas como potência, o Império Bizantino nunca mais seria o mesmo. Os resultados da IV Cruzada (chamada por alguns autores de "Cruzada Comercial") mostraram-se então, extremamente vantajosos à burguesia, pois além da obtenção das terras e das fantásticas riquezas de Bizâncio, a classe comercial recebeu o consentimento do papado para revender na Europa Cristã, os produtos trazidos do Oriente (como tecidos e especiarias), o que viria a multiplicar seus ganhos a partir de então.
No início do século XIV, o prestígio e a influência das grandes cidades comerciais na Europa era incontestável. Além de representar o início de todo um processo de transformação em diversos aspectos da vida do Ocidente cristão, tamanha ascensão pode ter significado, em termos políticos, um golpe de misericórdia no decadente sistema feudal, contribuindo para o ressurgimento de um velho poder, há muito suplantado pela autoridade das nobrezas locais: a monarquia.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Renascimento Comercial é como podemos entender o processo de reativação do comércio desde os últimos séculos do medievo. Por um longo período, durante a Idade Média, a atividade comercial foi severamente condenada pela Igreja Católica, que pregava a doutrina do "Preço Justo", entendendo que uma mercadoria só deve ser vendida pelo preço que foi comprada, não gerando o lucro (usura), que segundo o clero era a base da avareza, vista por muitos religiosos como o pior dos pecados capitais, passível, certamente, daquela que, para o homem da Idade Média, é a pior das punições: Ter sua alma condenada à eternidade no Inferno. Essa condenação ao lucro desenvolveu importante papel como empecilho para o desenvolvimento da atividade comercial, restrita a pequenos grupos marginalizados, como os judeus, que impedidos de possuírem terras e, não raro, mesmo de habitar as propriedades feudais, tinham na prática da usura uma de suas poucas fontes de sustento. Com a realização das Cruzadas a partir do século XI, estabeleceram-se numerosos contatos com o Oriente a partir principalmente de muçulmanos e bizantinos. Novas rotas de comércio tornaram-se conhecidas, e foi nas cidades italianas voltadas para o Mediterrâneo (tais como Gênova, Veneza, Pisa e Amalfi) onde a atividade comercial refloresceu. Mesmo com a condenação do papado, os comerciantes italianos, desde o século XII, estabeleciam postos comerciais do Jônico ao Mar Negro, juntando verdadeiras fortunas pessoais e enriquecendo suas cidades de forma fabulosa.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Aula 1 - História B [Moderna & Contemporânea] (5 de Setembro de 2009)
Renascimento Cultural
Tradicionalmente apresentado como um movimento de mudança ou "evolução" da sociedade medieval para a moderna, aquilo que conhecemos como Renascimento se configura em um fenômeno muito mais complexo, ao qual não se aplica uma datação, e cujas características transformadoras se manifestam por um longo período de tempo.
Ao se pensar o conceito de Renascimento, é comum relacioná-lo com a ideia de "Modernidade". O Moderno é geralmente tido como aquilo que se opõe ao medieval, do qual é separado por um evento: A queda de Constantinopla (1453). É como tradicionalmente se aprende do ensino fundamental: O que acontece antes de 1453 é medieval, o que acontece depois de 1453 é moderno. Essa idéia de determinar datas para o início de uma "era" e o fim de outra pode acabar prejudicando a compreensão e o estudo de determinados contextos. No caso do Renascimento, isso nos induz a reduzir a um momento específico do século XV, um grande processo de transformação nas estruturas, na vida e nos hábitos do homem europeu. A impressão que se dá é que no dia 30 de maio de 1453, o "homem medieval" acordou "moderno". Sabemos que não foi assim. Essas duas mentalidades (medieval e renascentista) coexistiram por um longo período de tempo, tanto antes quanto depois da queda de Bizâncio aos turcos. Sendo assim, o processo que conhecemos por Renascimento pode ser situado durante um período de grande duração, que vá, talvez (muitos autores divergem sobre isso, alguns chegam a defender que o Renascimento acontece até hoje), desde o século XII até o XVII.
A Crise do Mundo Medieval
Para se entender melhor o que é e porque se deu esse "Renascimento Cultural", como na análise de qualquer outro fenômeno histórico, é necessário conhecer primeiro os eventos que o antecederam, e como tais eventos vieram a influenciar o seu desenvolvimento. Para que houvesse a ascensão de um movimento pregador de novos valores e novo modo de vida, necessariamente, os valores e modo de vida anteriores deveriam estar em decadência ou, no mínimo, em processo de reestruturação. Sendo assim, não se pode pensar o Renascimento sem entender a "queda" do Mundo Medieval.
Como já sabemos, a sociedade no medievo feudal era teoricamente dividida em três estamentos imutáveis com funções bem determinadas. É a famosa pirâmide social: O clero (Oratori) tinha a função de orar e interceder a Deus por todos os cristãos (lembremos do papel fundamental da espiritualidade na vida do homem medieval), a nobreza (Bellatori) detinha as terras e a função de lutar por ela e proteger os camponeses (Laboratori), que nela plantavam e colhiam. Embora tal sistema fosse real e legitimado pela Igreja (única instituição organizada a manter autoridade sobre todo mundo cristão ocidental após a queda de Roma), havia muitos elementos marginais, que exerciam, a princípio, um papel pouco importante na vida social, mas que foram paulatinamente ganhando importância. É o caso de categorias como artistas, artesãos e principalmente a classe comercial (comumente descrita como burguesia). Os burgueses tiveram papel fundamental no Renascimento Cultural, protagonizando um outro renascimento, que conhecemos como Renascimento Comercial.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
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