quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"Bença", Vô!

Não parecia verdade pra mim
Te ver sorrir e te ouvir
Em mais um sábado
Um homem na cama
Por mais que na cama
Vivo na cama
Mostrava estar vivo
Vivo, cheio de vida
A vida que fazia a gente tão perto
Tão perto do senhor
Aconselhou seus filhos
Se alegrou
Contando ao amigo
Histórias de Oslo, Helsinki...
E naquele sábado
Fosse enquanto pensava olhando o teto
Fosse fazendo o seu jogo de Sena
Fosse olhando futebol na tevê do hospital
Naquele sábado
Em tudo o senhor me falava
Por aquilo que me explicou um dia
A tal "Voz do Silêncio"
Obrigado, vô, por mais essa lição
Pro teu neto tão jovem e curioso
Me explicar no nosso último dia
Sem dizer nada
A tal "Voz do Silêncio"
Não parecia verdade pra mim
Ouvir meu celular tocar tão cedo
E tremer de dor
É minha mãe chorando
Não parecia verdade pra mim
Morreu ao lado do teu filho mais novo
De quem gostava de contar as travessuras da infância
A dor dos teus filhos é forte
Uns a mostram mais outros menos
Mas pra todos a dor é forte
Meu vô valente, um pai protetor
A dor é forte
Mas o que alenta, meu avô
É saber que pela primeira vez a dor é só nossa
Dor nossa
E teu alívio
Estranho, né?
Sempre admirei o senhor
Por tomar as nossas dores
Mas agora dói em nós
Mas não no senhor
Graças a Deus
Não dói no senhor
Agora
Não te falta mais o ar
Agora
Não te aperta mais o peito
Agora
O senhor está em boa companhia
Dos teus amados
Tão amados
Teu pai
Tua mãe
Tua irmã
Teu irmão
Todos aqueles teus amigos
Todos estão aí
Onde estiver, estão aí
A dor fica pra gente
Como esses móveis
Essas imagens
Esses vultos
Mas eu sei, meu avô
Que o senhor era grande
Gostava de ser grande
E sendo grande
Tão grande
Não ia ser agora que o senhor
Ia caber numa poltrona
Numa moldura
Olho tua foto e me dói
Me dói a saudade
Mas eu sei que o senhor não está ali
É só teu vulto
Uma pegada que me faz lembrar você
E me dói a saudade
E aí é tua "Voz do Silêncio" que vem me falar
De saudade
Mas o senhor não está ali
Não!
O meu avô sempre foi muito grande
Grande de mais pra caber numa moldura
Numa mesa
Numa poltrona
O "Grande Homem", como um dia disse o Mr. Shellard
Não ia querer caber num pedaço de mármore, numa cova funda
Muito menos no vestígio de uma casa, ou um bilhete preenchido e nunca jogado de Mega Sena
O Grande Homem tem que estar agora em toda parte
Penetrando em toda parte
Mas principalmente nos corações imensos
Dos seus cinco filhos
Seus tantos amigos
Seus três irmãos
Seus onze netos
Aonde, mesmo enquanto preso nessa velha cela
Pesada, frágil e breve
Que nós teimamos em chamar de vida
Nunca deixou de estar presente
Foi aí que te procurei, vô!
No teu enterro não quis carregar teu caixão
Preferi não olhar pro corpo que te aprisionou por 81 anos
Procurei você pelo ar
Procurei por você aqui dentro
Procurei escutar essa "Voz do Silêncio"
Não parece verdade pra mim
Ouvir novidades
De política
Futebol
Teu silêncio era tão cheio de prazer
Ao ouvir o entusiasmo
Desse teu neto tão jovem, que fala demais
Falar demais
E talvez por isso me dizia o senhor
Que eu era os "teus olhos"
Azar o meu, esses olhos vão ter que se acostumar
A não ter pra quem enxergar
Não parece verdade pra mim
É, gente!
Não parece verdade pra gente
O pai que às vezes preocupava tanto os seus filhos
Mas que se preocupava ainda mais com eles
O orgulho hiperbólico, apaixonado, mas tão lindo
Que tinha
Da fisioterapeuta, da engenheira, do empresário, do professor, da advogada...
E às vezes se aborrecia por pouco
Preocupação que era fruto do seu amor, da sua intensidade...
Sempre intensidade
O sorriso gratuito de missão cumprida que ele tinha para os netos maiores
O riso e o carinho apaixonado que ele tinha para os netos menores
Um senhor conhecido no tribunal da Vicente Machado
Um mágico adorável paras as criancinhas na rua
É, gente...
A gente vai ter que se acostumar...
É, vô...
Vai ser duro me acostumar...
No último dia não te pedi uma coisa:
A Benção, Meu Avô!
Não te pedi com a boca
Mas sei que você me abençoa
Sinto que você nos abençoa
Mesmo que não tenha ouvido isso da tua boca
Como eu pedi?
Como eu sei?
...
Ah, vô, acho que agora eu finalmente aprendi!
Foi  a "Voz do Silêncio"
...

Espero um dia pra gente conversar denovo

Se o tempo é diferente onde você está
Pode ter certeza
Não  vai demorar
"É ou não é?"
Não vai demorar
Mas seja quando for
Que o senhor se prepare
Prepare a paciência
E um sorriso
Porque

Seja pela conhecida tagarelice desse teu neto que não sabe resumir
Seja pela "Voz do Silêncio"
Muita história eu vou ter pra te contar

...

Então
A Benção, Meu Avô!
Hoje e Sempre
...

E Até um Novo Dia!
...




"Bença", Vô!

2 comentários:

  1. Muito lindo Renan.
    Muito obrigada por sempre ser os olhos do vovô.

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  2. Caro Renan, meus sinceros parabéns pela homenagem ora prestada ao Grande Sogro Alcides, que para mim, por muitas vezes, substituiu meu Pai.
    Um forte abraço!!!

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