sábado, 24 de setembro de 2016
Esse Cara Não Sou Eu
Impressionante como Roberto Carlos Braga, apesar de capixaba, sempre consegue ser o tipo de homem mais escroto e socialmente daninho que existe, em cada uma de suas músicas. Exemplos são claros:
"Se você põe aquele seu vestido lindo, e alguém olha pra você/ Eu digo que já não gosto dele, que você não vê que ele está ficando demodé/ Mas é ciúme, ciúme de você/.../ Esse telefone que não pára de tocar/ Está sempre ocupado se eu tento lhe falar/ Quero então saber logo quem lhe telefonou/ O que disse, o que queria e o que você falou"
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O cara se acha no direito de jogar a auto-estima da mulher pra baixo, em nome de uma insegurança idiota que ele sente. Provavelmente ele é daqueles cidadãos que faz o possível pra companheira se sentir o pior possível consigo mesma, pois ele teme que se ela estiver feliz, se achando bonita e de bem com a vida, vá perceber o quão patético ele é, e assim venha a deixá-lo. Dessa forma, o sanguessuga perde o seu suprimento perene de auto-afirmação/ Ele ainda admite sua insegurança doentia e a usa como justificativa pra um comportamento opressor e dissimulado/.../É um machista que enxerga a mulher como posse, e em nome dessa cultura, tem com ela uma abordagem policialesca. Ele claramente não confia na companheira, e deve pensar que, caso ela ache alguém mais interessante, ele realmente vai ter como evitar o merecido pé-na-bunda, e ainda por cima vai sair por aí, choramingando no boteco e afirmando que ela é a "vilã" por ter sido "infiel", como se ele não tivesse feito absolutamente nada pra que ela quisesse se libertar desse tipo de opressão.
"Um cara que pensa em você toda hora/ Que conta os segundos se você demora/ Que está todo o tempo querendo te ver porque não consegue ficar sem você/.../O cara que pega você pelo braço/ Esbarra em quem for que interrompa seus passos/... Que no meio da noite te chama/ Pra dizer que te ama... Esse cara sou eu"
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Um sujeito fissurado que não tem vida própria/ Ansioso, impaciente e extremamente irritante/ Que ignora completamente que você tem outras coisas pra fazer na vida/ Pra suprir sua necessidade de atenção egoísta/.../Um cara que tem tendências a ser agressivo/ Que vai arrumar encrenca com qualquer outra pessoa com quem você falar/... Que não está nem aí que você está dormindo/ E provavelmente vai ficar tristinho se você devidamente mandá-lo à Mérida... E ainda se orgulha disso.
"Vinha voando no meu carro quando vi pela frente, na beira da calçada um broto displiscente/ Joguei o pisca-pisca para a esquerda e entrei/ A velocidade que eu vinha não sei/ Pisei no freio obedecendo ao coração e parei/ Parei na contramão/ O broto displiscente nem sequer me olhou/ Insisti na buzina, mas não funcionou/ Segue seu caminho o broto sem me ligar/ Pensei por um momento que ela fosse parar/ Arranquei a toda e sem querer avancei o sinal/ O guarda apitou /.../ Falei que foi Cupido quem me atrapalhou/ Mas minha carteira pro xadrez levou /.../ Quando me livrei do guarda o broto não vi/ Mas sei que algum dia ela vai voltar/ E a buzina dessa vez eu sei que vai funcionar"
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Que experiência terrível deve ter sido pra essa moça passar por isso. O homem utilizando-se de um dos instrumentos mais vinculados à noção de "masculinidade" pela nossa sociedade patriarcal (o carro), para perseguir a vítima. Sim, vítima. Porque, reparando bem na letra da música, o carro faz um percurso razoavelmente longo pra uma história que supostamente se resume a olhares do motorista à pedestre na beira da calçada. Essa moça provavelmente estava correndo, enquanto era perseguida por seu opressor, dotado de um instrumento de imposição e poder, uma blindagem arrogante e covarde que anula qualquer tentativa de reação ou defesa por parte da vítima. Ele mostra desrespeito a quem está à sua volta, quer parecer perigoso, mostrar que "não tem nada a perder". Joga o carro em alta velocidade, buzina, canta pneu, usa de todos os mecanismos de seu aparato para intimidar e se impor à sua vítima, aterrorizando-a. Ela com medo do pior que pode estar por vir, nem sequer olha para trás continuando na sua dramática tentativa de escapar do perseguidor, ele contudo insiste com a buzina, fazendo seu som estridente ser, na cabeça da vítima, um verdadeiro hino de terror/.../Alguém detém o opressor. Aquele que utilizava-se até agora da sua "posição" masculina para fustigar tormentos sobre alguém que não se subjugara com tanta facilidade às suas prerrogativas socialmente lapidadas de "varão". O machista se intimida com a intervenção de outro do seu gênero. Ainda mais se tratado de alguém que serve o aparelho repressor do Estado que o domina (representado na figura do polícia), este, porém, apenas o pune por perturbar o funcionamento da ordem cotidiana do espaço, e não pelo terror que exercia sobre outrém. A vítima por sua vez, se evade do local, aproveitando a sorte de ter seu agressor stunado, pondo-se fora da vista e do alcance do mesmo/.../Contudo, essa mulher infelizmente não está a salvo, pois ao fim da música, na ausência de punição que o pudesse definitivamente deter, seu agressor promete encontrá-la ainda algum dia, e novamente repetir o terror da buzina, esperando disso um resultado que lhe favoreça.
"Bem, vocês me desculpem, mas agora eu vou embora: Existem mil garotas querendo passear comigo. Mas é por causa desse Calhambeque, sabe?! Bye... É... Bye, bye... Vruummmmm"
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Mais uma vez o automóvel é um instrumento de poder opressivo. Provavelmente aqui visto como um prolongamento, uma prótese da protuberância natural que a sociedade sexista lhe cobra e com a qual a própria natureza não lhe favoreceu. Outro detalhe é o tratamento explicitamente desumanizado dado à mulher nesse trecho. Não são uma nem duas, mas "mil". Um número que o próprio autor desconhece por seu próprio desdém egoístico e machista dado ao gênero oposto, por quem ele tem um interesse muito "coisificado", e a quem ele acredita de forma generalista ser tão estúpido e materialista quanto ele mesmo é.
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